Fonte: ionline.sapo.pt
Em plena crise, o setor agroalimentar provou a sua importância. Os agricultores exigem agora medidas que permitam a sobrevivência da atividade e, em particular, dos pequenos produtores.
As prateleiras das lojas nunca ficaram vazias, mesmo durante o estado de emergência, mas a fatura a pagar devido à pandemia por parte dos agricultores portugueses começa agora a fazer-se sentir: as alterações profundas no mercado e no padrão de consumo acentuaram as diferenças, colocando em risco de sobrevivência os pequenos produtores. “Os pequenos agricultores tinham a sua produção alavancada pelos mercados de cadeia curta, mas o encerramento dos restaurantes e dos mercados municipais encostaram-nos à parede, e alguns não tiveram qualquer rendimento durante os últimos dois meses”, afirma Idalino Leão, presidente da Fenapecuária – Federação Nacional das Cooperativas de Produtores Pecuários.
Ao i, o responsável prevê que esta tendência se mantenha até ao final do ano e que venha a prolongar-se caso não sejam tomadas decisões políticas imediatas e específicas para o setor: “2020 vai ser muito complicado e 2021 não será muito melhor, a não ser que surjam medidas que permitam apoiar determinadas formas de agricultura e os seus profissionais”. “E este é o momento ideal para se fazerem essas alterações fundamentais”, garante, recuperando reivindicações de há vários anos, mas que agora ganharam força, depois do trabalho desenvolvido pelo setor após a chegada da covid-19 a Portugal.
“Os agricultores foram, de facto, reconhecidos nesta fase, mas pelas piores razões. Hoje podemos afirmar que só foi possível grande parte da população portuguesa ficar em casa, tal como tinha sido pedido pelo Governo e pelas autoridades de saúde, porque alguém continuou a produzir os alimentos que nunca deixaram de chegar às casas das pessoas”, destaca Idalino Leão, que, no entanto, não deixa de lamentar o facto de o Ministério da Agricultura não ter sido incluído no gabinete de crise criado, em março, pelo Governo (presidido pelo primeiro-ministro António Costa, e constituído pelos ministros da Economia, Pedro Siza Vieira, dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, da Presidência, Mariana Vieira da Silva, das Finanças, Mário Centeno, da Defesa, João Gomes Cravinho, da Administração Interna, Eduardo Cabrita, da Saúde, Marta Temido, e das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos). “Se há um momento em que é exigível assumir-se a importância do setor agrícola no país, esse momento é agora. Gostaríamos, obviamente, que fosse dado um sinal político forte que atribuísse ao setor toda a sua importância perante a sociedade”, sublinha.
Desígnio nacional
Idalino Leão defende que “a agropecuária deve ser um desígnio nacional, pois estamos a falar da nossa soberania alimentar”. O presidente da Fenapecuária recorda os últimos meses para justificar medidas concretas e decisivas. “Numa fase inicial era importante que todos os elos da cadeia agroalimentar não fossem interrompidos: desde o campo à logística, à indústria e à distribuição. Foram criados planos de contingência, tudo foi acautelado, e isso foi conseguido”, destaca.
Idalino Leão considera que “este é um momento de afirmação dos agricultores, das suas cooperativas e da agroindústria, e por isso devem ser alterados os nossos comportamentos e privilegiar a compra de produtos nacionais”. O dirigente assenta as modificações em três pilares fundamentais.
O primeiro passa por uma “aposta no grau de aprovisionamento na carne nacional”, refere, recordando que, no início do estado de emergência, “houve produtos ligados à pecuária que tiveram o seu escoamento muito dificultado”, como é o caso das raças autóctones de bovinos, dos pequenos ruminantes ou dos leitões. “Fizemos diligências para sensibilizar a grande distribuição para adquirir produtos e ajudar estes agricultores, e isso foi conseguido. Esperamos agora que esta tendência tenha chegado para ficar”, diz, realçando que até “existem condições naturais em Portugal para aumentar a produção de carnes de que não somos autossuficientes”, o que permitiria equilibrar a balança comercial nacional e reduzir a pegada ambiental associada ao transporte de produtos. “Isso deveria ser uma prioridade”, afirma Idalino Leão, relevando a importância de se “praticar um preço ao produtor justo, que permita recompensar a qualidade”.
Outra medida desejada é a redução dos custos fixos de energia (eletricidade e gasóleo) nas explorações agrícolas e na agroindústria. “Os custos fixos da energia da agroindústria em Portugal são demasiado elevados face, por exemplo, ao vizinho espanhol. Por isso, defendemos que os preços da eletricidade e do gasóleo deveriam ser revistos em baixa e, obviamente, este é o momento certo para se fazer isso. Para os agricultores, esta é uma medida muitíssimo importante e que tem mesmo de avançar”, afirma Idalino Leão.
A relação entre os produtores e o Estado deve, segundo o líder da Fenapecuária, ser igualmente modificada, através “da alteração do código da contratação pública”. “É uma medida fundamental para fomentar a aquisição de bens agroalimentares nacionais pelas cantinas públicas. Elogiámos a campanha ‘Alimentar quem alimenta’, lançada pelo Ministério da Agricultura [uma plataforma de produtores que tem o objetivo de apoiar e agilizar o escoamento de produtos locais, frescos, seguros e de qualidade], mas convém que o Estado dê mais exemplos, pois há milhares de refeições que são servidas nas cantinas públicas em Portugal – em escolas, hospitais ou tribunais – onde devem ser introduzidos critérios como a distância entre os locais onde os alimentos são produzidos e consumidos, como fator diferenciador para a sua aquisição”, explica.
Idalino Leão defende que “esta seria uma medida para defender a produção nacional e um contributo para as metas de descarbonização estabelecidas até 2050”. “Se temos um contexto para fazer alterações no código da contratação pública é exatamente este”, conclui o responsável.