Decisão 2005/906/CE
Confagri 20 Dez 2005
2005/906
Relativa ao regime de auxílios que a Itália tenciona executar a favor das cooperativas de transformação e comercialização para compensar os danos causados pela febre catarral ovina da região de Sardenha.(JO n.º L 329)
COMISSÃO
Decisão da Comissão
2005/906/CE
A COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,
Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente o n.º 2, primeiro parágrafo, do artigo 88.º,
Após ter convidado os interessados a apresentarem as suas observações nos termos do referido artigo,
Considerando o seguinte:
I. PROCEDIMENTO
(1) Por carta de 24 de Novembro de 2000, registada em 28 de Novembro de 2000, a Representação Permanente de Itália junto da União Europeia notificou a Comissão, a título do n.º 3 do artigo 88.o do Tratado, da Lei n.º 22 de 17 de Novembro de 2000 da região da Sardenha [1], relativa a intervenções a favor dos produtores pecuários para fazer face à epizootia denominada febre catarral ovina (blue tongue), a seguir designada «Lei n.º 22/2000 da região da Sardenha». O artigo 10.º da lei subordina a concessão de alguns dos auxílios à aprovação da Comissão, no âmbito do procedimento previsto nos artigos 87.º e 88.º do Tratado.
(2) Por carta de 15 de Dezembro de 2000, registada em 19 de Dezembro de 2000, a Representação Permanente de Itália junto da União Europeia transmitiu à Comissão as informações complementares solicitadas por carta de 13 de Dezembro de 2000.
(3) Por carta de 2 de Fevereiro de 2001, a Comissão informou a Itália da sua decisão de iniciar o procedimento previsto no n.º 2 do artigo 88.º do Tratado relativamente ao auxílio em causa.
(4) A decisão da Comissão de dar início ao procedimento foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias [2]. A Comissão convidou os interessados a apresentarem as suas observações relativamente ao auxílio em causa.
(5) Na mesma decisão, a Comissão autorizou os auxílios previstos nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 22/2000, entendendo que satisfaziam as condições para poderem ser considerados auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades económicas na acepção do n.º 3, alínea c), do artigo 87.º do Tratado.
(6) As autoridades italianas não enviaram quaisquer observações sobre as medidas em causa e a Comissão não recebeu observações por parte de outros interessados.
II. DESCRIÇÃO
(7) Os auxílios têm por base o artigo 5.º da Lei n.º 22/2000 da região da Sardenha relativa a intervenções a favor das cooperativas de transformação e comercialização para compensar os danos causados pela febre catarral ovina (blue tongue).
(8) Em Agosto de 2000, surgiu na Sardenha a febre catarral ovina, propagando-se em seguida em toda a ilha, apesar das disposições adoptadas pelas autoridades públicas. A sua difusão foi facilitada pelas condições climáticas (tempo quente e seco). Para combater esta epizootia, em 28 de Agosto de 2000 as autoridades sanitárias italianas adoptaram uma disposição que proibia as movimentações de ruminantes domésticos e selvagens originários ou provenientes da Sardenha (incluindo o esperma, os óvulos e os embriões) para o resto do território nacional e para os outros Estados-Membros da União Europeia. Foram igualmente proibidas as movimentações dos mesmos animais da província de Cagliari para o resto do território regional e aos serviços veterinários das outras regiões foi imposta a obrigação de efectuar controlos clínicos nas explorações que tivessem recebido, há menos de dois meses, ovinos provenientes da Sardenha. Posteriormente, as autoridades regionais adoptaram o decreto n.º 34, de 5 de Setembro de 2000, relativo a medidas de urgência para o controlo da febre catarral ovina [3], que proibia, em todo o território da Sardenha, as deslocações de ovinos, caprinos, bovinos, búfalos e animais de criação de espécies selvagens a partir das explorações. O decreto tornou igualmente obrigatória a luta contra os insectos vectores da doença. Em 16 de Outubro de 2000, as autoridades sanitárias regionais adoptaram o plano de luta e erradicação da febre catarral ovina na Sardenha e, em 25 de Outubro de 2000, o Conselho regional da Sardenha adoptou a Lei n.o 22/2000 relativa a intervenções a favor dos produtores pecuários para fazer face à denominada febre catarral ovina (blue tongue), em seguida notificada à Comissão para um exame da conformidade a título dos artigos 87.º, 88.º e 89.º do Tratado. As intervenções previstas nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 22/2000 foram consideradas compatíveis com o mercado comum [4]. A Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no n.º 2 do artigo 88.º do Tratado relativamente aos auxílios previstos no artigo 5.º da referida lei.
(9) O artigo 5.º da Lei n.º 22/2000 autoriza a administração regional a conceder auxílios às empresas e cooperativas com sede legal na Sardenha que procedem à colheita, transformação, acondicionamento e comercialização de produtos agrícolas e pecuários e que tenham registado uma redução das entradas obrigatórias por força das disposições estatutárias ou contratuais superior a 20 % (zonas agrícolas desfavorecidas) ou 30 % (outras zonas) em relação à média dos três últimos anos. Tais auxílios visam compensar prejuízos sofridos devido à falta de matérias-primas para transformar e estão limitados às perdas ligadas à redução das entregas dos sócios.
(10) O montante previsto para os auxílios é de 5 mil milhões de liras (cerca de 2 582 280 euros) para 2000.
(11) A Comissão decidiu dar início ao procedimento previsto no n.º 2 do artigo 88.º do Tratado na medida em que tinha dúvidas quanto à compatibilidade do regime de auxílios em causa com o mercado comum. Tais dúvidas incidiam, em especial, no facto de o ponto 11.4 das orientações não prever qualquer concessão às empresas de transformação de indemnizações pelas perdas causadas por epizootias. Segundo a Comissão, ainda que as autoridades italianas tenham decidido reservar o benefício dos auxílios às cooperativas, a relação causal entre a doença (febre catarral ovina) e a diminuição das quantidades entregues não foi provada. Nomeadamente, a região sofreu uma seca (ver auxílio N 745/2000) que pode também ter contribuído para a redução das quantidades entregues. Da mesma forma, certas cooperativas podem ter registado uma diminuição das matérias-primas por motivos que não a febre catarral ovina (ou a seca).
(12) De acordo com o ponto 11.3.8 das orientações, que permite apenas a compensação dos agricultores, ou das organizações de produtores de que sejam membros, por perdas causadas por condições climáticas adversas, essas regras não podem ser aplicadas por analogia às empresas de transformação pelas perdas causadas pela febre catarral ovina. Regra geral, a Comissão considera que os estabelecimentos agro-industriais dispõem de uma certa flexibilidade na gestão das fontes de abastecimento. Tal pode, naturalmente, implicar custos adicionais das matérias-primas e uma diminuição da rendibilidade, mas não parece ser de molde a justificar uma execução directa das regras aplicáveis à produção agrícola.
(13) Na ausência de outra base jurídica para o exame, e eventual aprovação, do auxílio previsto no artigo 5.º da Lei n.º 22/2000, afigura-se que esse auxílio deve ser considerado um auxílio ao funcionamento, ou seja, um auxílio que tem por objectivo libertar as empresas agro-industriais das despesas que devem normalmente suportar no âmbito da gestão diária das suas actividades. Em princípio, esses auxílios devem ser considerados incompatíveis com o mercado comum.
(14) Na sequência da decisão de dar início ao procedimento previsto no n.º 2 do artigo 88.º do Tratado, as autoridades italianas não transmitiram aos serviços da Comissão quaisquer observações.
III. APRECIAÇÃO JURÍDICA
(15)Nos termos do n.º 1 do artigo 87.º do Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
(16)O Regulamento (CE) n.º 1254/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector da carne de bovino [5], prevê, no seu artigo 40.º, que, salvo disposições em contrário desse regulamento, os artigos 87.º, 88.º e 89.º do Tratado são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos a que se refere o seu artigo 1.º. Do mesmo modo, o Regulamento (CE) n.º 2529/2001 do Conselho, de 19 de Dezembro de 2001 que estabelece a organização comum de mercado no sector das carnes de ovino e caprino [6], prevê, no seu artigo 23.º, que, salvo disposições em contrário desse regulamento, os artigos 87.º, 88.º e 89.º do Tratado são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos a que se refere o seu artigo 1.º
(17) O artigo 5.º da Lei n.º 22/2000 prevê auxílios destinados a compensar as empresas e cooperativas agrícolas pelas perdas devidas à falta de matéria-prima para transformar por causa da redução das entregas dos sócios na sequência do surgimento da epizootia de febre catarral ovina. As empresas e cooperativas em causa usufruem assim de vantagens económicas que não teriam obtido de outra forma no quadro das suas actividades e, consequentemente, melhoram a sua posição concorrencial relativamente a outros agricultores comunitários que não beneficiam dos mesmos auxílios.
(18) Os auxílios em causa afectam a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Efectivamente, os beneficiários exercem uma actividade económica num sector (o sector das carnes de bovino e ovino) que é objecto de trocas comerciais entre os Estados-Membros. Em 2001, o efectivo bovino italiano contava 6 932 700 cabeças, das quais 273 900 na Sardenha, o efectivo ovino era de 8 311 400 cabeças, das quais 3 602 200 na Sardenha, enquanto o número total de caprinos ascendia a 1 024 800 cabeças, das quais 240 200 na Sardenha.
(19) A medida em exame encontra-se, por conseguinte, abrangida pela definição de auxílio estatal constante do n.º 1 do artigo 87.º do Tratado.
(20) A proibição de concessão de auxílios estatais não é absoluta. No caso em apreço, as derrogações previstas no n.º 2 do artigo 87.º são manifestamente inaplicáveis e não foram, de resto, invocadas, pelas autoridades italianas.
(21)A alínea a) do n.º 3 do artigo 87.º também não se aplica porque o auxílio não se destina a favorecer o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida é anormalmente baixo ou em que exista uma grave situação de subemprego.
(22) No respeitante à alínea b) do n.º 3 do artigo 87.º, o auxílio não se destina a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum, nem a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-Membro.
(23) No respeitante à alínea d) do n.º 3 do artigo 87.º, o auxílio em causa não visa os objectivos referidos nessa disposição.
(24) Atendendo à natureza do regime notificado, a única derrogação aplicável é a prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 87.º do Tratado. É pois necessário verificar se a aplicação das medidas previstas pode beneficiar dessa derrogação.
(25)Uma vez que a lei em causa foi regularmente notificada pelas autoridades italianas por força do n.º 3 do artigo 88.º, na sua apreciação são aplicadas as regras previstas nas orientações comunitárias para os auxílios estatais no sector agrícola [7] (em seguida denominadas «as orientações»). Efectivamente, em conformidade com o ponto 23.3 das orientações, estas são aplicáveis a partir de 1 de Janeiro de 2000 aos novos auxílios estatais, incluindo os já notificados pelos Estados-Membros relativamente aos quais a Comissão não tenha ainda adoptado uma decisão.
(26)De acordo com o ponto 11.1.1 das orientações, os auxílios estatais no sector agrícola prevêem uma série de medidas destinadas a compensar os agricultores pelos danos causados à produção agrícola ou aos meios de produção (incluindo os edifícios e as plantações) por acontecimentos imprevistos, como calamidades naturais, condições climáticas adversas ou surgimento de epizootias ou doenças das plantas.
(27) Daqui resulta claramente que, no caso dos danos causados por uma epizootia, podem ser compensadas unicamente as perdas registadas pelo sector da produção e não pelo da transformação ou comercialização dos produtos agrícolas. Qualquer auxílio destinado a compensar tais perdas deve, igualmente, ser compatível com o ponto 11.4 das orientações, que diz especificamente respeito aos auxílios à luta contra epizootias e doenças das plantas.
(28) As autoridades italianas não formularam quaisquer observações. Por conseguinte, a Comissão não recebeu informações complementares que permitissem dissipar as dúvidas invocadas aquando do início do procedimento referido no n.º 2 do artigo 88.º do Tratado relativamente aos auxílios em causa.
(29) Além disso, as autoridades italianas não provaram de forma clara e indiscutível a existência de uma relação directa entre a redução das entregas dos sócios das empresas ou das cooperativas devido à febre catarral ovina e a perda de rendimentos registada no mesmo período. Na ausência desta relação directa, tais perdas podem ter sido causadas por outros factores, como a seca, a crise do mercado, a gestão financeira das empresas em causa, etc. Qualquer auxílio destinado a compensar este tipo de perdas constituiria pois um auxílio ao funcionamento, incompatível com o mercado comum por força do ponto 3.5 das orientações [8].
IV. CONCLUSÕES
(30)Atendendo ao exposto supra, a Comissão conclui que os auxílios previstos no artigo 5.º da lei regional em exame constituem auxílios estatais na acepção no n.º 1 do artigo 87.º do Tratado e que não podem beneficiar de nenhuma das derrogações previstas no n.º 3 do artigo 87.
(31) Dado que a Lei n.º 22/2000, notificada em conformidade com o n.º 3 do artigo 87.º do Tratado, estabelece no seu artigo 10.º que os auxílios instituídos nos artigos 3.º, 4.º e 5.º só podem ser executados depois de aprovados pela Comissão Europeia, não é necessário prever a recuperação dos auxílios previstos no artigo 5.º da lei acima referida,
ADOPTOU A PRESENTE DECISÃO:
Artigo 1.º
Os auxílios previstos por Itália ao abrigo do artigo 5.º da Lei n.º 22 da região da Sardenha, destinados a compensar as empresas e cooperativas agrícolas pelas perdas devidas à falta de matéria-prima para transformar por causa da redução das entregas dos sócios, são incompatíveis com o mercado comum. Por esta razão, não pode ser dada execução a esses auxílios.
Artigo 2.º
A Itália informará a Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para lhe dar cumprimento.
Artigo 3.º
A República Italiana é a destinatária da presente decisão.
Feito em Bruxelas, em 16 de Março de 2004.
Pela Comissão
Franz FISCHLER
Membro da Comissão
[1] A lei foi aprovada pelo Conselho regional da Sardenha em 25 de Outubro de 2000 e publicada no Bollettino ufficiale della regione Sardegna n.º 36, de 25 de Novembro de 2000.
[2] JO C 327 de 22.11.2001, p. 5.
[3] Publicado no Bollettino ufficiale della Regione Sardegna n.º 29 de 19.9.2000, p. 1958.
[4] Decisão SG(01) D/285817 de 2.2.2001.
[5] JO L 160 de 26.6.1999, p. 21. Regulamento com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 1782/2003 (JO L 270 de 21.10.2003, p. 1).
[6] JO L 341 de 22.12.2001, p. 3.
[7] JO C 28 de 1.2.2000, p. 2.
[8] Ver Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, no processo T-459/93 (Siemens SA contra Comissão das Comunidades Europeias, Colect. [1995] II-1675).