Agricultores e caçadores preocupados com populações “descontroladas” de javalis

Confagri 25 Ago 2022

Fonte: expresso.pt

Acidentes rodoviários, culturas destruídas, avistamentos dentro de povoações. Os incidentes com javalis estão a aumentar em todo o país, mas ninguém sabe ao certo quantos animais existem em Portugal. À espera de estudo prometido pelo Governo em 2019, agricultores e caçadores queixam-se de falta de respostas.

Um vídeo captado nas festas populares em Casais de Revelhos no sábado tornou-se viral nas redes sociais. As imagens, divulgadas pelo jornal Médio Tejo, mostram dois javalis a circular no recinto, muito próximos das pessoas, até receberem restos de frango e desaparecerem “tão depressa como chegaram”.

Ao Expresso, fonte da Câmara Municipal de Abrantes afirma que não se tratavam de animais selvagens, mas sim de dois javalis que tinham sido criados desde bebés por um criador local. Contudo, para agricultores e caçadores por todo o país, a presença desta espécie deixou de ser “surpreendente”.

Na imprensa local, repetem-se os relatos de avistamentos e incidentes que envolvem estes animais. Só este ano, uma vara foi avistada numa zona urbana de Ourém e um animal foi abatido a tiro pela PSP numa área de bares e restaurantes em Olhão. Há registo de um acidente com feridos graves em Portalegre, de um carro acidentado sem prejuízos pagos em Barcelos e de uma ambulância deixada inoperacional em Salvaterra de Magos.

“[A aproximação dos javalis às povoações] é uma realidade diária. Os animais perderam o medo, vão até à porta das pessoas. Principalmente se houver um pomar junto à casa e em zonas onde há terrenos em pousio. Não é uma situação rara”, relata Isménio Oliveira.

Para a agricultura, a aproximação desta espécie tem tido consequências particularmente danosas. O dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) fala em “milhões” em prejuízos que aumentam todos os dias.

Sem compensação pelas perdas sofridas, “a maioria dos pequenos e médios agricultores deixam de fazer as suas culturas”. “No concelho de Penela (Coimbra), onde existiam algumas centenas de hectares de milho, hoje não há um único hectare”, refere Isménio Oliveira a título de exemplo.

ESTUDO PROMETIDO POR GOVERNO EM 2019 DEVERÁ SER DIVULGADO NO FINAL DESTE ANO

“[As populações de javalis] estão descontroladas essencialmente em locais onde há 20 anos era impensável, onde eram residuais”, corrobora Jacinto Amaro, presidente da FENCAÇA (Federação Portuguesa de Caça). “Há vinte anos, se matássemos cinco javalis em montarias era uma grande festa. No ano passado na minha zona de caça em Ciborro, Montemor-o-Novo, num único dia de montaria matámos 110 javalis.”

Em declarações à Lusa, o ICNF afirmou em 2019 que “tendo em conta o número crescente dos avistamentos, o aumento dos pedidos de correcção de densidades e o consequente aumento do número de abates por parte das zonas de caça, existe uma percepção de que as populações desta espécie estão a aumentar”.

Contudo, ninguém sabe ao certo quantos javalis existem de facto em Portugal, onde estão mais concentrados ou quantos incidentes e prejuízos provocaram.

Em 2019, o Governo encarregou o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) de realizar um estudo sobre a situação. O Plano Estratégico e de Ação do Javali em Portugal foi entregue à Universidade de Aveiro e será concluído até ao final deste mês. Os resultados, prevê o ICNF num comunicado enviado ao Expresso, serão conhecidos no final do ano. Até lá, “não existem dados consolidados disponíveis para publicação”.

“Aquilo que podemos adiantar é que o javali tem uma distribuição generalizada em todo o território”, incluindo em zonas do litoral e áreas urbanas, onde “até há pouco tempo” não apareciam, afirma Carlos Fonseca, diretor científico e tecnológico do laboratório colaborativo ForestWISE.

O biólogo e professor convidado da Universidade de Aveiro sublinha que o crescimento desta população resulta de uma “confluência de variáveis”. O javali é um animal extremamente resiliente “que se adapta muito rapidamente a novos ambientes”. Por outro lado, é uma espécie que se reproduz rapidamente. Uma fêmea pode chegar a ter três ninhadas em dois anos, com quatro a cinco crias de cada vez. Por outro lado, nas últimas décadas aumentaram as áreas de mato denso, “habitats favoráveis” para estes animais.

“O facto de aparecer mais nas zonas urbanas, sejam elas de âmbito rural ou mais citadino, tem que ver muitas vezes com circunstâncias temporais”, acrescenta. Atualmente, por exemplo, a seca extrema terá provocado escassez de alimento nos habitats naturais destes animais, levando-os a procurar comida noutros locais.

Os incêndios poderão também contribuir para este fenómeno, embora não haja estudos que permitam conclusões definitivas sobre o tema. Isménio Oliveira afirma que na região centro, nomeadamente em alguns concelhos de Coimbra (como Miranda do Corvo, Penela, Penacova e Condeixa), a situação agravou-se muito desde os grandes incêndios de 2017. Inversamente, Carlos Fonseca refere que os javalis são frequentemente os primeiros animais a serem avistados nas zonas ardidas após os incêndios, pelo que a ocorrência de um fogo não é sinónimo de uma movimentação clara da população.

“QUALQUER MEDIDA DEVE TER COMO BASE A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA”

Em ambiente urbano, a situação em Portugal está longe dos graves problemas vividos em grandes metrópoles europeias, como Barcelona, Berlim ou Roma. Contudo, Carlos Fonseca refere que começam a registar-se populações urbanas de javalis que se “habituam” à “disponibilidade alimentar artificial”, criando dificuldades de gestão do problema.

Para o evitar, é fundamental que as pessoas não dêem comida aos animais e alertem as autoridades locais. Em geral, as recomendações do ICNF pedem à população para “evitar a todo o custo o contacto direto com os animais, a sua perseguição ou o seu encurralamento”.

Além da possibilidade de ocorrência de “alterações comportamentais imprevisíveis”, nomeadamente ataques a pessoas, estas medidas têm também uma preocupação sanitária. Os javalis podem ser portadores de doenças transmissíveis a humanos, nomeadamente a tuberculose.

A estas preocupações junta-se o ressurgimento da peste suína africana na Europa, que tem avançado de leste para oeste. Associada a elevadas densidades populacionais de javalis, está já presente em países como Alemanha, Bélgica e Itália. Embora ainda sem casos registados na Península Ibérica é uma preocupação em Portugal, devido ao impacto catastrófico que teria na suinicultura.

Aliada ao aumento de queixas da população e a perceção de que o número de javalis está a aumentar, estes fatores têm servido de bússola nas medidas aplicadas.

Para controlar a densidade populacional, a caça de javalis passou a ser permitida durante todo o ano. Não há dados sobre os animais que têm sido mortos, mas tanto a CNA como a FENCAÇA concordam que “não tem sido suficiente”.

Por outro lado, ao abrigo da Lei de Bases da Caça, a compensação pelos danos causados pelos javalis é desde 1986 da responsabilidade das Zonas de Caça Associativas. Contudo, o aumento dos incidentes fez com que estes não tenham capacidade de resposta, deixando queixosos (sejam agricultores ou automobilistas) sem as devidas indemnizações. “A maioria dos pequenos e médios agricultores deixam de fazer as suas culturas [devido aos prejuízos acumulados ano após ano]”, afirma Isménio Oliveira. As duas organizações pedem a intervenção do Estado.

Para Carlos Fonseca, falta ciência nas medidas. “Qualquer medida deve ter como base a informação científica. Depois de ter esta informação disponível, penso que teremos condições para definir um melhor plano estratégico de intervenção nestas populações.”

E acrescenta: “Creio que estamos numa situação em que as populações já terão passado o ponto de equilíbrio. E portanto desconfio que as medidas que serão colocadas em prática serão de redução, mas temos de equacionar processos e questões do foro legal e legislativo que poderão conduzir estas populações noutro sentido.”

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