Fonte: ominho.pt
Na região do Minho, em 2018, foram registados 80 acidentes rodoviários envolvendo máquinas agrícolas [51 no distrito de Braga e 29 no distrito de Viana do Castelo], de acordo com dados fornecidos pela Guarda Nacional Republicana (GNR). De fora estão ainda as estatísticas registadas em propriedades privadas.
A prevenção e segurança na condução de máquinas agrícolas foi tema de uma conferência promovida pela Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas (CONFAGRI) e pela CAVIVER (Cooperativa Agrícola de Vila Verde), esta sexta-feira, dia 12 de julho, no salão nobre da Câmara de Vila Verde.
Foram debatidas medidas de segurança a adoptar pelos condutores, atuação perante acidentes com tratores e outras máquinas agrícolas e ainda esclarecimentos acerca das mudanças previstas pelo Governo até 2021 neste tipo de viaturas, tendo em vista a elevada sinistralidade registada.
Será que os operadores/condutores estão devidamente formados? Os locais de trabalho estarão aptos para manobras com este tipo de viaturas?
Essas e outras questões foram levantadas por Paulo Carvalho, inspetor da Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT) e especialista nos inquéritos de avaliação de acidentes de trabalho com máquinas agrícolas. De acordo com o técnico, a região minhota é propícia a acidentes com máquinas agrícolas, fruto de ser um local onde prevalece o minifúndio (propriedades de pequena extensão) e o envelhecimento dos condutores, sobretudo os “de fim de semana”. O especialista explica que as condições dos terrenos são propícios a acidentes, algo que, aliado à falta de formação dos condutores e das estruturas de segurança adequadas às viaturas, causa acidentes com muita gravidade.
Paulo Carvalho salienta algumas medidas de segurança no que diz respeito aos veículos que habitualmente são descuradas pelos agricultores e condutores, como é o caso do arco de segurança rebativel (vulgo Arco de Santo António), o quadro de segurança e a cabine de segurança. “Todas estas estruturas permitem a que, no caso de acidente, a vida do condutor possa ser salvaguardada, impedindo de ser esmagado”, explica. Também o cinto de retenção (espécie de cinto de segurança) é algo que pode permitir um resguardo quando “um trator vira”. Outras das questões técnicas levantadas por Paulo Carvalho passa pela horizontalidade, centralidade e verticalidade dos tratores. “O trator, por si só, já é uma máquina desequilibrada por ter mais peso atrás do que à frente, e por vezes uma pequena manobra pode resultar num reviramento”, alude. Outro aspeto habitualmente ignorado por condutores deste tipo de viaturas é a forma correta de entrar e sair do trator. Paulo Carvalho conta que na última formação que ministrou, com doze condutores com vários anos de experiência, nenhum sabia a forma correta de entrar e sair de uma máquina deste tipo (devem chegar ao cimo com o pé esquerdo e sair da mesma forma).
Até 2021, todos os condutores têm de obter formação específica
Também o cabo Daniel Lomba, da GNR, orador nesta conferência, ressalvou aspetos de segurança que os condutores devem ter em conta, centrando-se nos aspetos legais a cumprir. O cabo, que desde outubro de 2018 é responsável distrital [Braga] pelo policiamento comunitário incluindo o apoio à população idosa, explica que, até 2021, fruto de um despacho introduzido em janeiro deste ano, todos os condutores de máquinas agrícolas têm de receber formação neste âmbito, com exceção a quem possua a carta específica para conduzir este tipo de veículos, algo que nem sempre acontece. Lomba explicou que a maioria dos condutores de tratores possuem apenas a carta dita “normal”, que permite a condução de viaturas ligeiras, e que a partir de 2021, é obrigatória a formação específica para esses condutores. O cabo da GNR desmistificou ainda algumas dúvidas, indicando que é obrigatória a permanência de um triângulo de sinalização para acidentes/avarias e um colete refletor em todas as máquinas agrícolas, regra que a maioria dos condutores desconhece. Explica ainda que é proibida a utilização de um trator por mais que uma pessoa, com exceção para viaturas que, na sua origem, sejam concebidas com mais do que um banco.
Como atuar perante um acidente com trator
Luís Morais, segundo-comandante e comandante em exercício dos Bombeiros Voluntários de Vila Verde foi orador do terceiro painel, dando algumas “dicas” para a forma de atuar perante um acidente com trator ou outra máquina agrícola. O responsável deixou alguns conceitos, atitudes e comportamentos a ter durante um alerta deste tipo, recordando que, em 5 anos, foram registadas 358 mortes com acidentes de trator e 350 feridos graves, segundo dados da GNR.
De acordo com o responsável de comando, perante uma vítima encarcerada (que fica presa nos escombros da máquina), pode-se fazer uma estabilização imediata da máquina, preservando o local do acidente até que cheguem as autoridades, de forma a perceber-se o que aconteceu no local. “Essa chama-se a nossa zona de segurança, onde podemos trabalhar com a vítima sem que as pessoas estejam em cima de nós”, salienta. Morais recordou o último acidente com vítimas mortais deste tipo no concelho de Vila Verde: “À nossa chegada, quase fomos triturados pela população, devido ao tempo que demorámos. A pessoa que deu o alerta, indicou que o acidente tinha sido em Cervães, e todos os meios de emergência foram para essa localidade, quando na realidade o acidente deu-se em Gontinho, a mais de 20 minutos de distância”, recordou o segundo comandante. “Infelizmente, quando lá chegámos, já não havia muito a fazer, mas a população não queria perceber que quem deu o alerta para o 112 não indicou o local correto e isso fez com que todos os meios se deslocassem para uma localização errada”, disse.
O responsável indicou aos presentes que, quando dado um alerta para este tipo de acidente, se lembrarem de dizer as informações essenciais o mais assertivamente possível. “Onde foi, se é zona florestal e se tem acessos rodoviários, e caso não haja, que assegurem que alguém vem até o primeiro local de acesso para receber os meios de emergência, deixar um contacto telefónico e nome e dizer o estado em que se encontra a vítima. “Não queremos saber se o senhor estava a fresar a terra, o que interessa é o estado em que está para prepararmos os meios adequados à situação”, salienta.
Atuação perante a vítima
Luís Morais explica ainda que é muito importante a atuação perante a vítima, caso a mesma se encontre ainda com vida. Uma das “atenções” a ter é a aproximação pela frente. “Se a pessoa se aproximar pelas costas e falar, a tendência é que a vítima tente virar o pescoço e isso pode ser fatal num acidente deste tipo”, alerta. Aponta ainda uma “conversa com a vítima de forma a perceber o estado de consciência da mesma”. Em relação à conversa a ter, o melhor é indicar que os meios de socorro vêm a caminho e “nunca aumentar o stress da vítima”. “Não digo para dizerem que ele não tem nada, porque caso tenha, depois não vai acreditar no que lhe dizem. “É também importante perceber há quanto tempo foi o acidente, caso a vítima seja encontrada à posteriori”, avança Luís Morais. Outra consideração a ter em conta perante a vítima é “não ser treinador de bancada”. “Por vezes ouvimos as pessoas dizerem que o acidente aconteceu por isto e por aquilo e isso não é bom para a vítima. Apenas vai elevar o seu nível de stress, por isso é melhor absterem-se desse tipo de comentários”, ressalvou.
De acordo com o responsável dos Bombeiros de Vila Verde, é importante que os condutores deste tipo de máquina, quando saem para um trabalho, informem alguém para onde vão e o tempo que esperam demorar. “Outra situação importante é levar sempre o telemóvel, mesmo que não o consigam utilizar perante o estado de acidentado, é possível às autoridades solicitarem a localização do mesmo através de georreferenciação”, sublinha Luís Morais. Outro dos conselhos deixados pelo comandante passa pela confiança nos meios de socorro. “Estes tudo farão para minimizar o sofrimento por isso virar a revolta contra os bombeiros não ajuda em nada”, finaliza.
Um acidente com trator tem oito vezes mais probabilidade de envolver uma morte do que um acidente com viaturas ligeiras
A última intervenção esteve a cargo de Isabel Santana, engenheira agrícola do departamento técnico da CONFAGRI responsável pela formação profissional na zona Norte. A técnica começou por referir que o mês de junho foi “negro” em termos de acidentes com tratores, mesmo não causando muitas vítimas mortais. Explicou que, a um ratio de 100, um acidente com trator tem oito vezes mais probabilidade de haver uma morte do que um acidente a envolver viaturas ligeiras.
A engenheira ressalvou ainda que Portugal é, atualmente, o terceiro país da União Europeia com maior sinistralidade deste género, adiantando que, em 2018, existiram 667 acidentes envolvendo veículos agrícolas. Braga foi o terceiro distrito com maior número de acidentes, atrás de Porto e Coimbra. De acordo com os dados revelados por Isabel Santana, a média de mortes neste tipo de sinistros foi de seis por mês no ano de 2018.
No final da conferência, moderada pelo tesoureiro da CAVIVER, José Alberto Lomba, houve ainda a oportunidade de os cerca de 100 presentes questionarem sobre algumas matérias, sendo a dúvida mais recorrente relacionada com o tipo de formação que os agricultores/condutores terão de realizar até 2021.
Como explicou o cabo Lomba, da GNR, a partir do mês de fevereiro desse ano, todos os condutores de veículos agrícolas passam a ser obrigados a uma formação, após um despacho publicado em Diário da República, publicado a 21 de fevereiro de 2019.
Esta obrigatoriedade visa prevenir acidentes com máquinas agrícolas, aplicando-se aos condutores habilitados com cartas de condução da categoria B que conduzam tratores da categoria II, e das categorias C e D, que pretendam conduzir veículos agrícolas das categoria II e III.