A União Europeia desperdiça mais alimentos do que aqueles que importa, contribuindo para o agravamento da segurança alimentar, segundo um relatório da organização Feedback EU publicado esta terça-feira. Considerando a crise climática e o aumento do custo de vida na Europa, os ambientalistas consideram “um escândalo” o desperdício de milhões de toneladas de produtos alimentares todos os anos.

“Reduzir a perda e o desperdício de alimentos é uma das ações mais importantes que podemos tomar para combater a crise climática e melhorar a resiliência do nosso sistema alimentar”, começa por referir o relatório No Time to Waste.

O desperdício alimentar “é um desafio global” com impactos a nível ambiental, social e económico para todos os países e regiões, incluindo na UE – cujo desperdício alimentar representa pelo menos seis por cento das suas emissões totais e custa mais de 143 mil milhões de euros por ano.

De acordo com as conclusões da Feedback EU, são desperdiçadas cerca de 153 milhões de toneladas de alimentos na UE todos os anos, o dobro das estimativas anteriores e 15 milhões de toneladas a mais do que é importado. Só a quantidade de trigo desperdiçada apenas no bloco comunitário é igual a cerca de metade das exportações de trigo da Ucrânia e um quarto das outras exportações de cereais da UE.

As estimativas apontam que, em 2021, a UE importou quase 138 milhões de toneladas de produtos agrícolas, com um custo de 150 mil milhões de euros. Ao mesmo tempo, o relatório No Time to Waste, baseado nas fontes mais atualizadas, estima que foram desperdiçados 153,5 milhões de toneladas de alimentos por ano. Estima-se que 20 por cento da produção alimentar da no bloco europeu seja desperdiçada e se se reduzir para metade o desperdício alimentar até 2030, podia-se poupar 4,7 milhões de hectares de terras agrícolas.

Com a crise climática e o conflito na Ucrânia, os preços dos alimentos na Europa têm aumentado e a inflação agravado, nos últimos meses. E, considerando as conclusões deste relatório, a organização ambientalista Feedback EU considera que os milhões de alimentos e produtos agrícolas desperdiçados na União Europeia são “um escândalo”.

“Numa altura em que os alimentos estão a preços elevados e aumentou o custo de vida, é um escândalo que a UE esteja a desperdiçar mais alimentos do que os que importa. A UE agora tem uma enorme oportunidade de estabelecer metas juridicamente vinculativas para reduzir para metade o desperdício de alimentos até 2030, de forma a combater as alterações climáticas e a melhorar a segurança alimentar”, disse ao Guardian Frank Mechielsen, diretor da Feedback EU.

A UE e os seus Estados-membros comprometeram-se a “reduzir o desperdício de alimentos em 50 por cento até 2030” e atingir essa meta “é fundamental para alcançar outras” metas sociais, económicas e ambientais.

“Uma vez que a redução do desperdício de alimentos pode desempenhar um papel na redução da insegurança alimentar, isso significa que, além de ser um fator de mudança climática, o desperdício de alimentos é uma questão fundamental de direitos humanos e de segurança social”, esclarece-se no documento.

A longo prazo, a redução do desperdício alimentar “garante que a UE esteja bem preparadas para resistir a choques inevitáveis no futuro”. Já a curto prazo, “reduzir rapidamente o desperdício ao longo da cadeia de suprimentos pode aliviar parte da pressão futura dos mercados globais”.

Abdolreza Abbassian, analista de mercado de cereais e ex-economista da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), considera que a época da “comida barata acabou” e que os preços vão continuar elevados, mesmo após o fim da guerra da Rússia na Ucrânia.

“Por causa da situação energética, a situação dos fertilizantes, as incertezas no mundo, inclusive no transporte e embarque, sem falar nas alterações climáticas, temos que aceitar que não vamos ver os preços dos alimentos no níveis da década passada, a que já estávamos acostumados”, afirmou ao jornal britânico.

Já para Olivier De Schutter, co-presidente do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis e relator especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, o problema é que a indústria agroalimentar historicamente considera o desperdício mais vantajoso do que a eficiência.

“Nas duas pontas da cadeia alimentar é caro reduzir o desperdício e é lucrativo vender mais comida do que as pessoas precisam”, explicou. “As datas de validade também são definidas de forma a obrigar as pessoas a comprar mais do que podem realmente consumir”.

Ainda não foram divulgados dados de referência oficiais da União Europeia sobre o desperdício de alimentos em 2020, mas este novo estudo baseou-se em cálculos do índice de desperdício de alimentos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e numa meta-estudo do WWF, ambos de 2021.

Segundo o relatório, a maior parte dos resíduos alimentares desperdiçados não é registada, uma vez que as medições de resíduos da UE tendem a excluir alimentos não colhidos, não utilizados ou não vendidos.

Martin Häusling, membro do Parlamento Europeu e porta-voz da política agrícola do grupo Verdes/Aliança Livre Europeia (EFA), já reagiu aos dados divulgados e afirmou que “a Comissão Europeia se comprometeu a reduzir para metade o desperdício alimentar até 2030”.

“Na resolução sobre a estratégia Farm to Fork, o Parlamento Europeu deixou claro que medidas como a revisão da data de validade devem ser abordadas de forma ambiciosa. Além disso, precisamos de metas vinculativas em todas as etapas da cadeia de suprimentos para alcançar a necessária redução do desperdício de alimentos”.