Fonte: INE
As previsões agrícolas, em 31 de julho, apontam para uma campanha cerealífera fortemente marcada pela seca severa a extrema que acompanhou grande parte do ciclo vegetativo dos cereais de inverno. A atual campanha deverá ser a segunda pior desde que existem registos sistemáticos, apenas superior à produção de 2012 e próxima da de 2005 (igualmente anos de secas extremas). A batata também foi afetada pela seca e pelas temperaturas muito elevadas que inibiram a tuberização, verificando-se decréscimos de produtividade, bem como dificuldades de comercialização. Em contrapartida, apesar da escalada dos preços dos meios de produção e da escassez de água de rega que, em muitos regadios privados, tem condicionado a frequência e dotação de rega, o cenário nas culturas de primavera não é tão negativo, prevendo-se um aumento de 5% da área de milho e a manutenção da produtividade no arroz e tomate para a indústria, face ao ano anterior.
A onda de calor, cujo pico ocorreu no período de 7 a 17 de julho, causou escaldões nas fruteiras, principalmente nas macieiras e pereiras, e também na vinha, culturas onde se preveem quebras de produtividade de, respetivamente, 15%, 30% e 10%, face à campanha anterior. Nas prunóideas a produção colhida deverá ser inferior em 25% no pêssego, enquanto para a amêndoa, consequência da entrada em produção de novas plantações, estima-se uma produção próxima da alcançada em 2021.
Agravam-se as dificuldades na alimentação animal
A escassa precipitação registada na primavera e a diminuição/ausência de adubações de cobertura (devido ao extraordinário aumento dos preços dos fertilizantes) afetaram o desenvolvimento vegetativo das pastagens e forragens, originando uma diminuição entre 20% a 80% na biomassa destinada à alimentação dos efetivos pecuários, sendo a maior quebra observada nos concelhos do Norte Alentejano e do Baixo Alentejo. As necessidades de suplementação dos efetivos animais em regime extensivo com fenos e silagens aumentaram, o que, conjugado com a menor produção de alimentos conservados, tem causado constrangimentos nas explorações agropecuárias.
Apesar da conjuntura desfavorável, campanha do milho decorre com relativa normalidade
A subida da cotação do milho nos mercados internacionais de commodities e o potencial efeito da Portaria 131/20227 (diretamente ligada à invasão russa da Ucrânia), fatores que poderiam desencadear um maior interesse por esta cultura, foram atenuados pelo impacto significativo do aumento dos preços dos meios de produção, sobretudo dos fertilizantes, energia e combustíveis, e da previsível escassez dos recursos hídricos, estimando-se um aumento de 5% na área semeada, para os 78 mil hectares (valor muito próximo da média do último quinquénio).
Na Lezíria Ribatejana a germinação do milho grão foi irregular devido à escassa humidade dos solos e às elevadas temperaturas, apresentando as searas povoamentos muito heterogéneos no seu desenvolvimento e, em muitos campos, sintomas de stress hídrico. Muitas áreas de milho estavam em floração aquando da ocorrência da onda de calor, prevendo-se um défice de polinização com eventuais consequências na produtividade. Em Entre Douro e Minho, e apesar da seca, as searas de milho apresentam povoamentos mais homogéneos e bom desenvolvimento vegetativo, devido às condições de humidade e temperatura favoráveis ocorridas em junho.
Cultura do arroz beneficiou do tempo quente
As sementeiras do arroz decorreram com normalidade e concluíram-se no final de junho. As germinações foram boas, apresentando as searas bom desenvolvimento vegetativo. Ao contrário do que aconteceu com outras culturas, o arroz beneficiou do tempo quente, regularizando o seu ciclo vegetativo que se encontrava atrasado. No final de julho a grande maioria das áreas já estavam na fase de encanamento e as áreas semeadas mais cedo na fase de emborrachamento/início de espigamento. A produtividade do arroz deverá ser idêntica à de 2021, apesar da presença de milhã no Baixo Mondego, infestante difícil de controlar e que compromete a produtividade da cultura.
Quebras de produtividade e dificuldades de comercialização na batata
A seca e as altas temperaturas aceleraram a maturação dos batatais, antecipando a colheita e provocando uma quebra generalizada de produtividade. De um modo geral, as elevadas temperaturas secaram a rama muito rapidamente e inibiram a tuberização (temperaturas máximas superiores a 30⁰C e temperaturas noturnas superiores a 20⁰C inibem a tuberização), apresentando os tubérculos calibres médio a miúdo, inferiores ao habitual. Por outro lado, a batata produzida em regadio tem exigido uma frequência de rega superior ao normal, o que em muitos casos não tem sido possível de satisfazer, devido aos baixos níveis das reservas hídricas. Desta forma, a batata de regadio deverá registar um decréscimo de 15%, prevendo-se uma diminuição de produção de 30% na batata de sequeiro, face à campanha passada.
As condições meteorológicas afetaram o rendimento da cultura, mas não potenciaram o aparecimento de doenças criptogâmicas. Apesar dos tubérculos apresentarem boas condições sanitárias e de conservação (embora existam relatos de batatas afetadas por míldio a apodrecerem nos armazéns), em algumas regiões têm-se registado dificuldades de comercialização, devido principalmente ao excedente de produção da campanha anterior. Os preços pagos ao produtor, apesar de registarem variações positivas face ao homólogo, são considerados pela produção baixos, face ao extraordinário aumento dos preços dos meios de produção.
Primeiras colheitas de tomate para a indústria foram animadoras, apesar de algum escaldão nas searas tardias
Numa conjuntura fortemente marcada pela incerteza provocada pela escalada dos preços dos meios de produção, a perspetiva do aumento do preço do tomate para a indústria conduziu a que a área contratada entre os produtores e a indústria transformadora rondasse os 16,5 mil hectares (+4%, face à campanha anterior). A plantação de tomate para indústria, que se iniciou no final de março e que ficou concluída nos primeiros dias de junho, decorreu sem interrupções e em boas condições. A colheita das áreas instaladas mais cedo iniciou-se na última semana de julho, tendo as produtividades alcançadas sido semelhantes às da campanha passada. No entanto, nos frutos em crescimento observam-se muitas situações de escaldão, havendo ainda o receio de que a onda de calor tenha afetado a polinização.
Pomóideas afetadas pela onda de calor
As pomóideas foram consideravelmente afetadas pela onda de calor, estimando-se que as quebras por escaldão no Oeste sejam na ordem dos 10% nas macieiras e um pouco menos nas pereiras. O choque térmico provocou também a paragem no crescimento dos frutos, pelo que os calibres são na generalidade bastante inferiores ao normal, situação mais evidente nos pomares de sequeiro. No entanto, em muitos pomares de regadio, devido aos escassos recursos hídricos, não foi possível efetuar as regas com a frequência e dotações necessárias. De forma a aumentar os calibres, alguns produtores da Beira Douro e Távora têm optado, para além da monda química, pela realização de mondas manuais seletivas.
A colheita da maçã terá início na 2ª semana de agosto, prevendo-se quebras de produtividade de 15%. Na pera está previsto que a colheita se inicie na 3ª semana de agosto, sendo os decréscimos de produtividade de 30%.
Elevadas temperaturas afetam a normal maturação do pêssego
As baixas temperaturas noturnas e a formação de geadas prejudicaram a polinização e atrasaram o desenvolvimento vegetativo dos pomares de pessegueiros. A precipitação de março afetou a floração contribuindo, juntamente com os ventos fortes de abril, para a queda fisiológica dos pequenos frutos, cujo desenvolvimento aparentava um vingamento consolidado. As elevadas temperaturas têm acelerado a maturação dos frutos, sem que estes atinjam o calibre normal, sendo que nem as regas frequentes têm conseguido contrariar esta situação. Prevê-se assim um decréscimo de produtividade de 25%.
Entrada em produção de amendoais intensivos no Alentejo compensa efeitos adversos da seca e geadas tardias
Em Trás-os-Montes, as amendoeiras evidenciam um desenvolvimento vegetativo muito condicionado pela situação de seca e pelas geadas tardias, apesar da floração e parte do vingamento do fruto terem decorrido normalmente. No Alentejo, prevê-se um aumento de produtividade, devido essencialmente aos pomares com três a quatro anos de instalação que entraram em produção, bem como aos pomares instalados há mais tempo que atingiram a produção cruzeiro. Globalmente prevê-se uma produtividade semelhante à alcançada em 2021.
Escaldões e dificuldades no enchimento do bago determinam quebras de 10% na vindima
As vinhas encontram-se entre o estado fenológico “fecho do cacho” (no Minho) e “maturação/cacho maduro” (no Alentejo), tendo-se iniciado já a vindima nalgumas castas precoces. De um modo geral, apresentam bom estado fitossanitário devido à baixa pressão das pragas e doenças criptogâmicas, o que possibilitou a realização de menos tratamentos que o habitual, em algumas das principais regiões produtoras. Apesar do elevado número de cachos, a seca e as altas temperaturas condicionaram o enchimento do bago e, consequentemente, a produtividade. As temperaturas extremas de julho potenciaram ainda o escaldão, com impacto no rendimento, prevendo um decréscimo global de 10% na uva para vinho. Para a uva de mesa, o decréscimo é igualmente de 10%, face à campanha anterior.
Segunda pior campanha cerealífera de sempre, semelhante às produções alcançadas nas secas de 2005 e 2012
A colheita dos cereais de outono/inverno ficou concluída no final de julho, apesar das restrições impostas à utilização de máquinas agrícolas, declaradas durante a situação de alerta e posteriormente de contingência, devido ao elevado risco de incêndio verificado entre 8 e 21 de julho. A campanha cerealífera foi marcada pela situação de seca durante a fase de desenvolvimento vegetativo, com muitas searas a apresentarem povoamentos pouco homogéneos e espigas curtas.
Posteriormente, na fase de enchimento do grão, a escassa humidade dos solos e as elevadas temperaturas contribuíram também para as baixas produtividades, com as ceifas a confirmarem o baixo peso específico do grão. Embora existam searas com produtividades e qualidade aceitáveis, a maior parte das áreas colhidas apresentam quebras de produção na ordem dos 30% no trigo mole, triticale e cevada, 25% na aveia e 15% no trigo duro e centeio.
Globalmente, a atual campanha de cereais de inverno deverá ser a segunda pior desde que existem registos sistemáticos, apenas superior à produção da campanha de 2012. De referir que as piores campanhas cerealíferas coincidiram com as secas mais graves.