Fonte: expresso.pt
Quando uma guerra opõe o maior exportador mundial de trigo (Rússia) ao maior produtor mundial de girassol e sexto em milho e cevada (Ucrânia), o mercado treme, os preços são um alvo fácil e Portugal também paga a fatura
“A Ucrânia é o nosso celeiro (para as rações animais) e os preços já estão a disparar, pressionados pelo conflito com a Rússia”, diz ao Expresso Jaime Piçarra, secretário-geral da IACA – Associação Portuguesa dos Alimentos Compostos para Animais, preocupado com um cenário de “tempestade mais do que perfeita” em que o conflito vem pressionar preços que já estavam a ser puxados em alta devido à quebras de produção motivadas pela seca e aos aumentos dos custos de matérias-primas e fatores de produção, energia incluída.
Para dar uma ideia clara do peso da Ucrânia no que respeita às rações animais, Jaime Piçarra precisa que apesar deste país ser apenas o 35º fornecedor nacional, “responde por 40% do milho que importamos, à frente do Brasil, e cerca de 50% da colza, uma proteína importante usada na farinha para alimentação animal, e é também muito importante na resposta às necessidades de fertilizantes, fósforo e azoto”.
Assim, não tem dúvidas de que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia representa “um fator de agravamento das dificuldades de um sector que já vivia momentos difíceis “devido à seca e às subidas acentuadas de preços, na ordem dos 25%, no último ano, agora a acelerar”.
Matérias-primas são 80% do preço das rações
Os preços aos clientes também sobem, o que faz subir o preço da carne e do leite, mas “continuam a não refletir o aumento assumido pela indústria”, garante, antes de sublinhar que “80% do preço das rações é matéria-prima”.
E no futuro próximo, há outros fatores de agravamento deste cenário, uma vez que “a seca no Brasil já provocou uma significativa quebra na produção de soja e todos os relatórios falam de colheitas abaixo das estimativas iniciais”.
No caso da Ucrânia, o maior fornecedor de milho a Portugal, as importações totais do país são de 296,5 milhões de euros, com os cereais a absorverem mais de metade deste valor (159 milhões de euros), mas o peso das gorduras e óleos animais e vegetais (33 milhões de euros), com destaque para o óleo de girassol, assim como o das sementes e frutos oleaginosos (26 milhões de euros), segmento que tem como protagonistas o nabo e a colza, também é relevante, como explicou ao Expresso Deolinda Silva, diretora-executiva da Portugal Foods.
Espaço à especulação bolsista
Já Idalino Leão, presidente da Fenalac – Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite, insiste que “os recentes acontecimentos de tensão entre a Rússia e a Ucrânia vieram acrescentar ainda mais incerteza ao já instável mercado de matérias-primas e aumentar a pressão sobre os preços de produtos essenciais às rações animais”.
“De facto, desde o fim de 2020 que o mercado tem sido assolado por um conjunto de acontecimentos que têm aumentado enormemente o preço das matérias-primas”, destaca. E concretiza: “Tendo como pano de fundo a situação pandémica da covid-19, houve um crescente aumento das importações da China, o aumento dos custos de transporte, a que se vieram somar duas campanhas sul-americanas fracas, que levaram à redução dos stocks a nível global”.
Assim, voltamos a chegar à questão dos preços. Com o mercado em grande tensão, a entrada da especulação bolsista acabou por inflacionar ainda mais as cotações nos mercados, como mostra esta tabela da Fenalac com a evolução dos preços que as empresas do sector pagam por algumas matérias-primas críticas no último ano.
Idalino Leão salienta que “desde dezembro do ano passado que a seca – provocada pela famosa la niña – tem assolado a América do Sul, principalmente a Argentina, e teve um enorme impacto na recente escalada de preços”. E explica que a previsão inicial dos especialistas de que a campanha atualmente em curso seria recordista e iria repor os stocks mundiais de milho e soja, estabilizando os preços, não se concretizou.
Aliás, o passado recente tem sido marcado por “cortes sistemáticos nas previsões da campanha” e é neste enquadramento que o conflito Rússia – Ucrânia veio acrescentar “ainda mais tensão e instabilidade ao mercado, proporcionando terreno fértil para a especulação bolsista”, atendendo à importância da Rússia como fornecedor mundial de energia e ao facto de ser o maior exportador mundial de trigo, enquanto a Ucrânia é o maior produtor mundial de girassol, o sexto em milho e cevada, o sétimo em colza e nono em trigo e soja.
“Globalmente, a Ucrânia representa 14% das exportações mundiais de milho e trigo e tem-se afirmado como um dos principais fornecedores de matérias-primas da Europa Ocidental”, Portugal incluído.
Como os preços sobem ainda mais
Desde meados de janeiro, com a crescente preocupação dos operadores do mercado relativamente ao evoluir da situação Rússia-Ucrânia, “a cotação dos cereais, principalmente o trigo e milho, tem sofrido especial impacto e arrastado todas as outras matérias-primas”.
E à tabela de preços junta dados atualizados já em função do conflito: Só na última semana, diz, houve subidas de 15 euros por tonelada no milho, trigo e cevada, de 20 euros por tonelada no bagaço de soja, de 10 euros a tonelada no bagaço de colza, de 15 euros a tonelada no bagaço de girassol e de 150 euros a tonelada no óleo de soja.
Como presidente da Fenalac e da Fenapecuária, admite que o preço do leite e da carne “tem obrigatoriamente que subir, pois os preços praticados hoje não cobrem os custos de produção”.