Alterações climáticas, cada vaca no seu lugar

Confagri 28 Out 2019

Fonte: publico.pt

A emissão de Gases com Efeito de Estufa proveniente da carne e leite de vaca produzidos em Portugal é de 0,007% das emissões globais de GEE, ou seja: nada!

O reitor da Universidade de Coimbra acordou um dia com algum programa de rádio a atribuir os males do mundo ao sistema digestivo das vacas e decidiu eliminar a carne destas nas cantinas da sua academia como contributo de Coimbra para a neutralidade carbónica em 2050. Para começar, resolver um problema global com medidas locais e avulsas num país que contribui com valores ínfimos na emissão de Gases com Efeito de Estufa (GEE) provenientes da pecuária – 0,007 % do total das emissões! – revela falta de génio e uma boa dose de ignorância.

A decisão do reitor é intolerante, irrefletida, irrelevante, fraturante e reveladora da falta de sentido de missão de uma universidade. Intolerante porque decide sobre matéria que é da preferência individual das pessoas. Irrefletida porque passa para a sociedade a ideia de que problemas complexos se resolvem com decisões precipitadas, localizadas e sem qualquer efeito prático. Fraturante porque sinaliza para os cidadãos – e de forma injusta – que o sector agrícola, estratégico para a nossa alimentação e para economia em geral, é o bandido à solta que mais polui. E reveladora de falta de sentido de missão porque uma universidade pública, paga pelos contribuintes, deve criar riqueza e promover a coesão social e o bem-estar da sociedade.

Em matéria de irrelevância, vamos a factos. Anualmente emitem-se em média, no globo, 52 Gigatoneladas de CO2, das quais 23% se devem à atividade agrícola. Os outros 77% devem-se às restantes atividades humanas: produção de energia, indústria, transportes, entre outros. Já na União Europeia, o contributo da agricultura para os GEE é de 10% e, nos EUA, 9%, quase duas vezes menos que a média global. Os restantes 90% são da responsabilidade das outras atividades dos europeus e dos americanos. Por exemplo, na Europa, os transportes contribuem com 25% dos GEE, duas vezes e meia mais do que a agricultura. Os ruminantes contribuem com 40% do metano global, mas é um contributo já incluído no contexto do total agrícola.

Verifica-se assim – com dados e não com estados de alma – que as preocupações com impacto dos GEE, orientadas expressamente para o sistema de produção alimentar, são, por comparação, redutoras. E pior ainda se dirigidas a um único produto alimentar. Ora, se a produção agrícola necessária para alimentar oito mil milhões de pessoas é responsável por um quatro dos GEE, ficando o restante à responsabilidade de outros sectores, por que razão o reitor da Universidade de Coimbra não tomou qualquer medida sobre os mesmos? Acaso esquece o reitor que a alimentação é a base da pirâmide das necessidades sociais e que o acesso à alimentação é o primeiro dos direitos de um ser humano? Em coerência, vai o reitor eliminar os sistemas de ar condicionado da sua universidade ou vai impor a restrição de compras de sistemas computacionais?

Importa tomar consciência que a eficiência da produção de carne difere, brutalmente, à escala global. Os efetivos pecuários no mundo desenvolvido são 25% do total, mas produzem 45% da carne e 60% do leite. Do outro lado, a África subsariana tem 14% do efetivo pecuário e produz 2,8% da carne e 2,8% do leite.

E as perguntas imediatas são: não será então de fazer ao contrário, apostar no aumento da produção na Europa e nos EUA, onde o impacto em GEE é menor? Será na Europa que se deve reduzir a produção pecuária para se conseguir atingir realmente as metas globais? Como se vê nos gráficos, a produção de carne de vaca está em crescimento no globo embora na Europa e nos Estados Unidos – com 28% em conjunto – se mantenha estável há décadas. A China, por outro lado, tinha uma produção insignificante no início da década de 60, mas atualmente produz mais carne (30%) que os dois blocos juntos; e com tendência para crescer. Os restantes grandes produtores de carne registam também uma tendência de crescimento acentuado da produção. Alguém está a imaginar que os presidentes Xi ou Bolsonaro tomem medidas para travar o crescimento da produção de carne nos seus países?

Sejamos sérios: de acordo com a Agência Europeia do Ambiente, a emissão de GEE proveniente da carne e leite de vaca produzidos em Portugal é de 0,007% das emissões globais de GEE, ou seja: nada! Se Portugal deixasse de ter pecuária, nem se notava tal impacto em termos globais. Em contrapartida, a atividade económica relacionada com a produção de leite e carne de vaca em Portugal atinge quase dois mil milhões de euros. Centenas de empresas e dezenas de milhar de famílias vivem da atividade pecuária. Destruí-la seria uma tragédia para a sociedade e para os ecossistemas. E a soberania alimentar seria posta em causa.

O que fazer então? O problema é global e atravessa todos os setores da atividade humana. Nenhum dos planos do IPCC, da FAO, da UE propostos para controlo de emissão de GEE fala em banir computadores, deixar os aviões em terra ou acabar com a produção pecuária. Abordam-se sim as medidas para reduzir e reconverter com vista à neutralidade carbónica. Elencam-se os contributos da ciência e as políticas mais adequadas para esse fim.

A UE e Portugal não têm estado parados. Pelo contrário, lideram o processo de reação. Em julho deste ano, o Conselho de Ministros aprovou o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. É um roteiro ambicioso e de uma enorme exigência social e económica. Todos os setores da economia – incluindo a agricultura – são chamados a intervir.

A estratégia inscrita no Roteiro para a agricultura portuguesa passa pela expansão significativa da agricultura de conservação e da agricultura de precisão; pela redução substancial das emissões associadas à pecuária e do uso dos fertilizantes; enfatiza a necessidade de promoção de inovação para haver sucesso. Isto foi decidido em julho e o reitor, tão preocupado com o clima e os impactos da agricultura, pelos vistos ignora tal documento. Assim como, em consequência, ignora também que, para as famigeradas vacas, estão contempladas medidas neste roteiro.

Se o senhor reitor conhecesse os problemas da agricultura saberia que os maiores desafios deste Roteiro para a agricultura Portuguesa se relacionam com necessidades financeiras, lacunas no conhecimento disponível e formação dos atores. Aí as Universidades devem contribuir com investigação e apoio científico à experimentação e com ensino. Isso sim seria uma contribuição de génio. Universidades de todo o mundo trabalham atualmente para solucionar estes problemas. E ganham prestígio e receitas com as patentes de processos, equipamentos e soluções. Quererá a Universidade de Coimbra fazer parte deste clube?

OPINIÃO

João Niza Ribeiro

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