Os incêndios de outubro de 2017 na região Centro constituíram um fenómeno inédito, resultante da conjugação de fatores meteorológicos, mas a Comissão Técnica Independente também concluiu que houve falhas na programação de socorro e nas comunicações.
Criada em 7 de dezembro de 2017, pela Assembleia da República (AR), para analisar os grandes incêndios rurais de 14, 15 e 16 de outubro nos seis distritos da região Centro (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu) e em dois do Norte (Braga e Viana do Castelo), a Comissão Técnica Independente (CTI), constituída por 12 peritos, dos quais seis indicados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e outros tantos pelo parlamento, 11 integraram a CTI de avaliação dos fogos que deflagraram em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, voltou a ser presidida pelo professor universitário João Guerreiro.
De acordo com o relatório “’Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental”, entregue pela CTI na AR em 20 de março de 2018, falhou a capacidade de «previsão e programação» para «minimizar a extensão» do fogo na região Centro, face às previsões meteorológicas de temperaturas elevadas e vento para os dias em que ocorreram.
As chamas, que provocaram a morte de 50 pessoas e cerca de 70 feridos, afetaram mais de 220 mil hectares de território, cerca de 190 mil dos quais de floresta, perto de 1.500 casas e mais de meio milhar de empresas.
A junção de vários fatores meteorológicos constituiu «o maior fenómeno piro-convectivo registado na Europa até ao momento e o maior do mundo em 2017, com uma média de 10 mil hectares ardidos por hora entre as 16:00 do dia 15 de outubro e as 05:00 do dia 16», salientam os peritos da CTI, referindo que este período esteve «claramente sob a influência do vento de sul impelido pelo furação Ophelia», fazendo com que as chamas tivessem sido conduzidas pelo vento.
«A piro-convecção dá-se em incêndios sem vento significativo e com a atmosfera instável», mas também com vento, quando o fogo «consegue romper a estratificação ou dispersão que aquele impõe e cria uma coluna convectiva, alterando a meteorologia local», esclarecem.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) pediu um reforço de meios devido às condições meteorológicas, mas não obteve «plena autorização a nível superior», e a atuação do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) foi «limitada» por falhas na rede de comunicações, destaca o relatório.
As queimadas e o fogo posto foram as duas principais causas das mais de 900 ignições registadas nestes fogos, considerando-se preocupante a quantidade de reacendimentos.
O número total de ignições, fogachos e incêndios florestais e agrícolas, iniciadas nos dias 14, 15 e 16 de outubro registadas no Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), «foi de 206, 495 e 213, respetivamente».
O panorama vivido nesses dias traduziu-se «numa situação de dramático abandono, com escassez de meios, ficando as populações entregues a si próprias», salienta o relatório.
O documento, com 276 páginas, indica que «por momentos iniciais» foram cumpridas as determinações fixadas nas diretivas, «mas rapidamente se verificou não haver possibilidade de manter a estratégia teoricamente fixada, sobretudo devido a duas razões: dificuldade de mobilizar forças suficientes perante o número de ignições que se sucediam em áreas de grande dimensão e impossibilidade de dar uma resposta a todos os incêndios por parte dos corpos de bombeiros».
A falta de resposta esteve relacionada com o facto de se estar em outubro e na fase Delta de combate a incêndios, em que há «uma capacidade de mobilização limitada».
Os fogos de outubro revelaram também dificuldades dos municípios para lidar com «procedimentos relacionados com a emergência e o socorro, designadamente em resultado de incêndios rurais», considerando-se ainda que o apoio das Forças Armadas no combate às chamas «ficou aquém do desejável», sustenta ainda o documento.
Para a Comissão, os apoios públicos à floresta têm de ser reorientados e a estrutura do ICNF deve ter um reforço de meios, a par de uma revisão da sua estrutura, havendo ainda necessidade de mudanças estruturais e não apenas pontuais nas áreas de baixa densidade.
O despovoamento do interior é um dos problemas para a falta de prevenção de incêndios, com consequências devastadoras, e é necessário encontrar novos modelos de desenvolvimento das regiões abandonadas, alerta a CTI, defendendo, por outro lado, a reorientação dos apoios públicos para as florestas, a revisão da legislação sobre a limpeza de terrenos em volta das casas e o reforço da proteção das infraestruturas empresariais, entre outras questões.
Já a GNR, é referido, tem de intensificar o patrulhamento nos locais com forte concentração de ocorrências de incêndio, sobretudo durante o período crítico. Os presidentes de municípios da região Centro atingidos pelos incêndios de outubro, entretanto ouvidos pela agência Lusa, revêm-se de um modo geral, embora, por vezes, com algumas reservas, no relatório da CTI.
O primeiro-ministro, António Costa, disse que se limita «humildemente a ler o que está escrito» no relatório da Comissão, procurando interpretar os dados e adaptá-los às políticas necessárias.
Comparando os dois relatórios sobre os incêndios de junho e de outubro de 2017, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, entendeu que o segundo «vai mais longe» do que o primeiro.
Fonte: Diário de Notícias