A crise financeira transmutou-se numa crise do euro. A Europa, diz o presidente do Eurogrupo, tem de aproveitar o momento para se preparar para os “desafios futuros”. Soa a um aviso e, diz Mário Centeno, é mesmo um aviso para ter em conta: a Europa deve preparar-se para os “desafios futuros” e precaver-se contra “novas tempestades” como as que se viveram durante a crise do euro. “Os governos europeus não podem dormir sobre os louros alcançados”, mas lembrar-se de que o “esforço de reformas estruturais deve ser contínuo”, considera o ministro das Finanças, lançando outro alerta: “A tentação para a complacência é grande numa altura em que a economia cresce”.
Uma mensagem para consumo interno, para ser lida pelos parceiros da zona euro ou tudo ao mesmo tempo? O presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças português falava em Lisboa, nesta segunda-feira, numa conferência sobre o futuro do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), organizada pelo PÚBLICO na Fundação Calouste Gulbenkian. E tinha a ouvi-lo Klaus Regling, o presidente do MEE, instituição que financiou os resgates aos países em dificuldades da moeda única e cuja “curta história”, lembrou Centeno, “se confunde com a história” dessa crise.
Em discussão na Europa está a criação de um Fundo Monetário Europeu. E para falar desse futuro ainda em construção, Centeno recuou no tempo alguns anos para não deixar passar em branco o momento em que a “sobrevivência do próprio euro” chegou a ser questionada e Draghi teve de dizer a famosa frase no Verão de 2012, a de que o BCE faria o que fosse preciso para salvar a moeda única. Hoje, Centeno olha com confiança para a moeda única – diz que ela voltou a ser “uma âncora de estabilidade no mundo”. Contra o eurocepticismo, cita um indicador: “70% dos 350 milhões de cidadãos europeus apoiam o euro”.
Mas não deixa de fazer alertas, primeiro, lembrando que no passado se acreditou que “a acumulação de défices externos não era relevante numa moeda única e que as diferenças estruturais entre os Estados-membros seriam esbatidas de forma harmoniosa”. E se tudo pareceu correr bem nos primeiros anos da moeda única, a “ilusão de prosperidade criada pela estabilidade cambial e juros baixos” acabou por se desfazer com a crise.
Grécia prepara-se para fim do resgate
Oito anos depois do primeiro resgate, a Grécia prepara-se para terminar o “programa de assistência financeira”. O presidente do Eurogrupo confirmou que a conclusão do plano da troika deverá acontecer dentro de dois meses.
Em Lisboa, Mário Centeno deixou uma dupla mensagem ao Governo de Alexis Tsipras, ao afirmar que a Grécia está em condições de “tomar nas suas mãos o processo de desenvolvimento económico e social” e que pode contar com a “solidariedade europeia”. Há um “se”: sob condição de Atenas “continuar a percorrer um caminho de responsabilidade interna”.
O país cresceu 2,3% nos primeiros três meses do ano em relação ao mesmo período de 2017 (e 0,8% em relação ao período de Outubro a Dezembro). Os dados mais recentes do desemprego apontam para uma taxa de 20,8% da população activa, ainda mais alta no caso dos jovens, onde o nível de desemprego chega aos 45,4% (valores de Fevereiro de 2018, divulgados pelo Eurostat).
Centeno elencou alguns indicadores: “A Grécia voltou ao crescimento económico, dispõe de um excedente orçamental acima de 4% do PIB pelo segundo ano consecutivo, corrigiu o seu défice externo e reformou substancialmente todas as áreas da sua actividade económica”. Para o ministro das Finanças português, a Grécia “é hoje um país diferente”. Passou por “um caminho sinuoso e difícil”, mas, considera, “corrigiu muitos dos desequilíbrios estruturais que faziam da economia grega um caso especial na zona euro”.
O problema? “A crise financeira não foi uma simples tempestade”, para a qual a Europa não estava preparada, acabando por se confrontar com uma crise financeira que “se transmutou numa crise do euro”.
Hoje, com os países em crescimento, o foco dos países “deve ser desalavancar as nossas economias e aumentar o crescimento potencial. Não podemos ficar expostos a novas tempestades como estivemos no passado. Isto soa a um aviso, exactamente porque é um aviso”.
Quando Centeno fala na necessidade de os governos se prepararem para “os desafios futuros”, dá como exemplo a necessidade de responder ao envelhecimento da população, porque ele vai por à prova o modelo europeu de bem-estar.
Quanto ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, Centeno lembrou que existe entre os ministros da zona euro “um apoio muito alargado” para atribuir ao MEE “um novo instrumento para financiar o Fundo Único de Resolução bancária”. Desfiou outras propostas que têm vindo a ser debatidas, sem nunca se referir a um possível futuro Fundo Monetário Europeu (FME).
O reforço do MEE “deverá ir além de novos instrumentos, propriamente ditos. Outra proposta que temos vindo a discutir visa reforçar o papel do mecanismo na gestão de crises e no desenho dos programas de ajustamento. Uma outra ideia é atribuir-lhe competências na prevenção de crises, em parceira estreita com a Comissão Europeia e evitando quaisquer tipo de sobreposição de funções”.
Essa tinha sido uma discussão entre os participantes numa mesa redonda minutos antes de Centeno falar. António Cabral, antigo director-geral adjunto para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, considerou natural que o futuro Fundo, tendo responsabilidades em intervir em países desequilibrados, queira estar atento “à evolução dessas contas públicas e queira participar dessa supervisão do ponto de vista orçamental”, competência que actualmente cabe à Comissão Europeia.
Para António Cabral, a assistência financeira deve caber ao futuro FME, mas a estabilização financeira “deve pertencer à Comissão Europeia”. Há, disse, uma distinção entre a assistência financeira – a correcção dos desequilíbrios económicos, a ajuda para um país se financiar, por exemplo – e a estabilização económica, que “deve ser automática e isenta de condicionalidade”, sem estar ao mesmo tempo atribuída à mesma entidade.
A discussão passou também pelo futuro do Fundo Monetário Internacional no contexto em que a Europa discute a criação de um fundo seu. O economista Ricardo Cabral, ao olhar para a actuação do FMI, vê nas decisões da instituição “sempre um peso político muito importante”, por “mais técnicas” que essas decisões sejam, dando um exemplo: dificilmente o conselho de administração do FMI viria “a considerar que a dívida de Itália fosse insustentável”.
Fonte: Público