Cereais: «A única hipótese de competir é pela diferenciação»

Confagri 04 Jul 2018

O baixo grau de aprovisionamento de cereais nacionais motivou a apresentação de uma Estratégia para a Promoção e Produção de Cereais que juntou a fileira num documento de compromisso. Um plano que tem como meta reduzir a dependência das importações e chegar aos 38 por cento de aprovisionamento em cinco anos. Luís Souto Barreiros, líder do grupo de trabalho que coordenou este plano, explica tudo em entrevista à Vida Rural.

Porquê a criação de uma estratégia para a promoção e produção de cereais?

A razão principal é a importância do setor, que é reconhecida por todos, quer do ponto de vista económico, quer do peso que tem na alimentação e também do ponto de vista territorial. São culturas que são transversais a todo o território e ocupam grandes áreas. É quase como um sinal de alarme, porque quando olhamos para o grau de autoaprovisionamento de Portugal é baixíssimo, cerca de 23 por cento.

Quando se olha para os números é assustador. No trigo são 6%…

É assustador e é uma área muito crítica para a alimentação humana e animal. E o que se vê é que na Europa os países que estão ao nosso nível são Malta, Chipre e a Holanda, que é uma situação particularmente diferente e onde a agricultura tem outro tipo de atividades, não é comparável. A nossa situação na Europa é tão singular como a nível mundial. Estamos ao nível destes pequenos países que por razões de limitação geográfica não têm cereais.

Cereais: “A única hipótese de competir é pela diferenciação”

Esta análise “Estratégia para a Promoção e Produção de Cereais” permite perceber as verdadeiras razões porque isto acontece?

É difícil de dizer, mas provavelmente uma das razões principais prende-se com as políticas europeias. As reduções de preços institucionais, numa fase inicial, promoveram a redução de áreas, porque Portugal não era muito competitivo. Depois, numa segunda fase, o desligamento das ajudas teve um impacto muito grande nos cereais, em especial nos praganosos. Enquanto no milho, pela questão do regadio, houve um grande crescimento de produtividade e de investimento tecnológico, os praganosos ficaram muito agarrados ao sequeiro e, neste ponto, a competitividade é um aspeto importante. O que vemos é que o regadio é um fator crítico para os praganosos e com as alterações climáticas e a aleatoriedade do clima o regadio é essencial para produzir cereais praganosos. A única hipótese de competir é pela diferenciação e produzir não um cereal de baixo preço mas sim produzir um cereal com qualidade superior, que seja mais valorizado pela indústria e pelo consumidor. Mas também obviamente produzir de uma forma eficiente e com custos mais baixos, mas com essa valorização. Esse será um caminho.

Até para a relação com a agroindústria…

Sim, porque a nossa agroindústria é exportadora. É um caso interessante, porque somos exportadores de cereais com valor acrescentado. Se a nossa indústria é exportadora precisa de cereais de qualidade. E o que notámos nas conversas que fomos tendo com os grupos de agentes da fileira com quem tivemos reuniões é que havia falta de comunicação entre a fileira. Mas há exemplos fantásticos de boa ligação, como é o caso da indústria cervejeira que tem um histórico de contratualização.

Não valia a pena fazer um plano irrealista. Temos de ter consciência da situação em que estamos, dos recursos que temos, e que não é possível pedir milhões ou uma ajuda específica para os cereais, porque isso não iria resolver nada de fundo.

Existindo esse exemplo da cevada dística, que já não é novo, porque é que não se conseguiu replicar noutras áreas?

Não se percebe… Há bons exemplos mas há uma grande falta de comunicação. Há bons exemplos no arroz, alguns exemplos no milho, mas não há uma generalização. Um dos pontos que surgiu muito nesta discussão é a questão da criação de uma estrutura interprofissional. Apesar de haver formas informais de diálogo, percebeu-se a necessidade de criar esta interprofissional.

Como foi juntar os diferentes intervenientes da fileira, com interesses tão diferentes, para chegar a um documento? Foi fácil chegar a um consenso?

Penso que sim. No início estava mais cético, até pela diversidade de situações no setor. Há setores com realidades muito diferentes, em estádios diferentes, mas no final foi possível encontrar muitos pontos comuns aos vários setores e outras situações. Houve uma aprendizagem mútua e conseguiu-se tirar partido do que se faz bem noutros setores. O trabalho foi bastante interessante pelo diálogo aberto. Talvez a expectativa fosse que íamos apresentar um caderno reivindicativo de muitos milhões de euros para investir no setor.

Percebe-se que este pacote tem medidas muito simples, algumas até muito óbvias, mas que estão pela primeira vez estruturadas sob a forma de uma estratégia, com metas. Essa era uma das premissas deste plano, ser exequível?

O desafio que nos foi colocado, esse era o objetivo e rapidamente nos centrámos, é que não valia a pena fazer um plano irrealista. Temos de ter consciência da situação em que estamos, dos recursos que temos, e que não é possível ir pedir milhões ou uma ajuda específica para os cereais porque isso não iria resolver nada de fundo… ia ser conjuntural mas não resolvia a questão. Procurou-se sair desse registo e perceber os problemas do setor, o que tinha de bom, e o que podíamos aproveitar. E só olhámos para os euros no final. A conclusão a que se chega, é que há medidas que são transversais à agricultura em geral, como as preocupações com o regadio e as organizações de produtores. As medidas específicas são muito poucas, destacava só os apoios ligados que se identificaram como uma necessidade. Na parte das OP, levámos anos a investir em organizações de produtores (OP) e não podemos deixar cair esse tipo de organizações. Temos de as reforçar, não criar mais mas fazê-las subir de nível, dar-lhes mais valências e apoios, que são essenciais para estarem agregadas e perceberem a vantagem da organização.

Um dos pontos referidos pela produção foi a necessidade de «remover o irritante», para citar Luís Bulhão Martins. Na área da simplificação, a questão dos licenciamentos, que é uma queixa recorrente, é algo que não depende só da produção e do Ministério da Agricultura… Vê dificuldades nessa matéria, em sensibilizar por exemplo o ministério do Ambiente?

Esse exemplo é um caso crítico. Penso que o ano que passou, com a seca, é o exemplo de uma situação evidente em que a burocracia muitas vezes dificulta aquilo que é uma necessidade urgente. Mas, como o senhor ministro referiu, estas ideias terão de passar pelo Conselho de Ministros e de alguma forma todo o Governo está empenhado. Se as medidas forem reconhecidas como uma necessidade pelo Governo, será mais fácil abordar os organismos responsáveis na forma como for definida a implementação do Plano. Penso que muitas vezes há questões simples que são de quase diálogo… não é só processo, é preciso que todos os lados percebam os problemas dos outros. Quando há entendimento as coisas andam mais depressa.

As medidas elencadas neste Plano estão ordenadas por prioridade?

Não. Estão ordenadas pelos temas que foram considerados os objetivos estratégicos do Plano e foram arrumadas na sequência dos objetivos estratégicos e operacionais. Não houve priorização de nenhuma delas, aliás, houve mais medidas que ficaram de fora do documento mas que são importantes.

O setor vai tentar encontrar formas de procurar e apoiar oportunidades de exportação. O arroz já está neste caminho, a exportar com valor acrescentado. O que se pretende é ir ter com os organismos da administração mais vocacionados para o apoio à exportação e tentar explorar outros mercados.

Destacou algumas medidas na sua apresentação, nomeadamente a Agenda de Inovação, a Promoção da Capacitação Técnica, o Reforço das Estruturas Interprofissionais, a Valorização da Produção Nacional e Estabilização do Rendimento através do Mutualismo. Porque escolheu estas para pormenorizar?

As primeiras porque têm a ver com os pontos principais das estratégias. Como o reforço das OP e da comunicação e ainda articulação ao longo da fileira e a investigação e transferência do conhecimento. E no final a Política Agrícola Comum (PAC) como grande instrumento que pode fomentar qualquer uma destas medidas. Escolhi essas como exemplos. A Capacitação, por dar mais competências, e a transferência de conhecimento são importantes para reforçar o papel da agricultura de precisão e de outras técnicas agrícolas e usá-las como veículo para melhorar a produtividade. Mas uma OP pode ter os melhores produtores, com as melhores produtividades, e outros com as mais baixas. Temos de dirigir o esforço e ir à procura de quem tem mais dificuldades para dar o salto. Quem produz 7 toneladas de milho facilmente pode subir, e aqui a demonstração pode ter um papel importante. Já existem iniciativas feitas por OP, como a ANPOC, muito mais técnicas e essa deve ser a aposta, chegar à agricultura real.

Na medida Valorização da Produção Nacional, que tem a meta o final de 2018, existem pontos importantes como a criação de uma marca Cereais de Portugal conjunta para os três setores.

Sim, é uma iniciativa da produção e depende dela. Esta estratégia teve uma coisa importante que não é muito habitual: é que as partes estavam mesmo envolvidas. E aqui há compromissos para a administração e para os agentes do setor e a criação de uma marca é um compromisso do setor. E a questão do interprofissional também vai avançar, são iniciativas que devem ser apoiadas e estimuladas. Mas tem de existir uma vontade e capacidade de levar para a frente este tipo de medidas.

O programa de promoção dos cereais para exportação, cereais de valor acrescentado, como o que se pretende fazer exatamente?

O objetivo é identificar oportunidades de exportação de produtos de valor acrescentado e olhar para cada um dos produtos e dar-lhe outra escala a nível global. O setor vai tentar encontrar formas de procurar e apoiar oportunidades de exportação. O arroz já está neste caminho, a exportar com valor acrescentado. O que se pretende é ir ter com os organismo da administração mais vocacionados para o apoio à exportação e tentar explorar outros mercados.

Quais são os próximos passos?

Agora vai depender da aprovação em Conselho de Ministros. Esperamos que uma grande parte destas medidas seja aprovada e a partir dai será mais um trabalho de acompanhamento. A ideia foi fazer uma estratégia a cinco anos para apanhar o presente quadro e o início do próximo quadro. Mas o mundo é tão dinâmico que terá de ser revisto com certeza. Penso que o setor não o vai deixar cair e a administração também não!

Fonte: Vida Rural

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