Todos concordam que o acordo do Brexit sairá hoje derrotado na votação na Câmara dos Comuns. Se assim for, não é claro o que se passará a seguir. Quando muito, os britânicos conseguirão substituir uma incógnita por outra.
A lógica é simples: se uma maioria de deputados da Câmara dos Comuns votar desfavoravelmente o acordo que está hoje em apreciação, o Brexit pode ficar bloqueado e isso será ir contra a maioria dos britânicos, que votou a favor da saída da União Europeia. E por ser tão simples é facilmente desmontável: os trabalhistas e os conservadores que estão contra o acordo afirmam que aceitar o Brexit proposto por Theresa May é manter um pé na União e que os britânicos nunca lhes perdoariam isso.
O dia anterior à votação que ocorrerá esta terça-feira no Parlamento britânico, prevista para as 19H30 horas, foi assim gasto em duas coisas: na dramatização das posições, que se mantiveram tão antagónicas como estavam há um mês atrás, quando Theresa May retirou a proposta de votação; e na troca de missivas entre May e os presidentes da Comissão e do Conselho Europeu, respetivamente Jean-Claude Juncker e Donald Tusk.
A carta de May é uma espécie de pedido de socorro: parece dar como garantido que o acordo será hoje recusado pela maioria dos deputados e pede mais tempo para gerir o “dia seguinte”. Uma leitura atenta da carta de resposta dos 27 não permite encontrar qualquer “boia de salvação” que Bruxelas tenha entendido lançar a Theresa May.
A resposta dos 27 reafirma todos os pressupostos do acordo que será hoje votado e em nenhum lado refere qualquer alargamento de prazos em relação aos passos seguintes, novas rondas de negociação para limar possíveis arestas, ou qualquer outro aspeto que pudesse ter servido para a primeira-ministra acalmar os mais céticos em relação ao acordo.
«Gostaríamos de deixar claro que ambos, Juncker e Tusk, estaremos preparados para assinar o Acordo de Retirada tão depressa a votação tenha passado no Parlamento do Reino Unido. Isto permitirá a preparação da futura parceria com o Reino Unido imediatamente a seguir, para garantir que as negociações possam começar o mais rapidamente possível após a retirada do Reino Unido da União Europeia». É este o último parágrafo da carta, que soa muito a um “despachem-se, que nós já estamos fartos de esperar”.
May terá feito precisamente essa leitura e foi por isso que gastou parte do dia de ontem a insistir na dramatização da situação política, tal como havia feito ao longo de todo o fim de semana. Voltou a dizer que a recusa do acordo é uma traição ao referendo e que o texto é a única via para um debate equilibrado sobre o processo de saída de hoje em diante.
Do lado dos trabalhistas, o dramatismo parece ter sido inconsequente: o seu líder, Jeremy Corbyn, disse ontem que «o governo está um caos; é claro que, se o acordo da primeira-ministra for rejeitado, é hora de eleições gerais, é hora de um novo governo». É esse o cenário que os trabalhistas têm em vista.
E, segundo os analistas, é o único que de algum modo pode ajudar Theresa May: com as sondagens a preverem a derrota dos conservadores num cenário de eleições antecipadas, a perspetiva do abandono do poder pode ser o trunfo mais eficaz para fazer alguns membros do próprio partido da primeira-ministra reconsiderarem. E votarem a favor do acordo. Mas até isso pode não servir para nada, se os irlandeses do Partido Democrático Unionista (DUP) insistirem em votar contra.
Esta terça-feira, por volta das 19H30, todas as dúvidas ficam esclarecidas. Para surgirem outras: que vai a União Europeia fazer se o Parlamento votar contra o acordo?
Fonte: jornaleconómico