Uns dias depois de terem aberto a sua Fauxmagerie (queijaria), em Londres, as irmãs Rachel e Charlotte Stevens já tinham a indústria de laticínios à perna. Razão: afinal, o que vendem não é queijo.
As manas Stevens, uma é vegan e outra intolerante à lactose, resolveram comercializar um “queijo 100% vegetal”. Problema: isso não existe. Ou é queijo, de origem animal, ou é um produto de origem vegetal. As duas palavras não podem ser combinadas. A legislação não permite que se chame queijo, leite, iogurte, manteiga e outros laticínios a produtos que não sejam de origem animal, com algumas exceções, mas já lá vamos.
Este é apenas outro caso de uma empresa que associa ao nome do seu produto uma substância que ele não contém. A contenda não é de agora e, tanto as indústrias de laticínios como as autoridades da concorrência de vários países já fizeram queixas e levaram o assunto ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
No ano passado, este tribunal exarou um acórdão a reforçar que as denominações “leite”, “soro do leite”, “nata”, “manteiga”, “leitelho”, “queijo” e “iogurte” estão «reservadas exclusivamente aos produtos lácteos», tal como está descrito no regulamento europeu nº 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, opondo-se, assim, que «sejam utilizadas para designar, na comercialização ou na publicidade, um produto puramente vegetal, mesmo que essas denominações sejam completadas por menções explicativas ou descritivas que indiquem a origem vegetal do produto em causa».
Esta sentença veio na sequência de uma outra decisão, de junho de 2017, em que o mesmo juízo determinou que a empresa alemã Tofu Town não poderia utilizar as designações “Soyatoo manteiga de tofu”, “Veggie Cheese” e “Cream” nos produtos que vende, já que estes são apenas de origem vegetal.
Ou seja, a manteiga de tofu não é manteiga, e não pode ser comercializada com a denominação de manteiga; pode, por exemplo, utilizar o termo creme. Assim, como o leite de soja ou de amêndoa não podem ser vendidos com a designação leite. O leite de soja não é leite, e os seus derivados também não são iogurte, queijo, nata ou manteiga, estas designações só podem ser aplicadas aos produtos de origem animal.
As exceções, em Portugal, segundo a Decisão 2010/791/UE da Comissão Europeia, são cinco: leite de coco; manteiga de cacau; manteiga de amendoim; queijo doce de Tomar; queijinho de sal. Em Espanha, por exemplo, é permitida a expressão leite de amêndoa, aliás a única exceção permitida neste país.
Em Portugal, «ainda existem muitos produtos no mercado que utilizam os termos lácteos» sem o poderem fazer, afirma Maria Cândida Marramaque, diretora-geral da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL). O problema já não é tão visível como há uns anos, entretanto várias marcas e distribuidores alteraram os nomes dos produtos, em vez de leite de soja, usa-se bebida de soja ou, em vez de manteiga, escreve-se creme, mas ainda subsiste. Continua a vender-se a manteiga de alfarroba ou a manteiga de caju, por exemplo. Assim, como o queijo vegetal ou o queijo vegetal estilo mozzarela.
Muitas vezes, e apesar da rotulagem do produto estar correta, a etiqueta da prateleira do supermercado está mal feita e induz o consumidor. Como por exemplo a Sojagurte. O nome é imediatamente associado a iogurte, mas este é um produto de origem vegetal, não pode ser chamado de iogurte. Assim, como a designação Youfu nos remete logo para iogurte, e não é.
«A fiscalização e o esclarecimento por parte das empresas levou a uma melhoria», diz. Mas entretanto, surgiu um novo. Os chamados “influencers” (influenciadores) que pululam pelas redes sociais a fazer publicidade a tanta coisa. «Dizem na mesma leite ou manteiga ou iogurte, utilizam mal os termos», conta Maria Cândida Marramaque.
Fonte: Visão