Fonte: vidarural.pt
Com as negociações da nova reforma da PAC em curso, damos-lhe a conhecer as posições dos representantes dos principais setores de atividade agrícola sobre as mudanças que se avizinham e o impacto que podem ter na vida dos agricultores.
As opiniões foram recolhidas na conferência ‘O modelo da PAC para 2030’, no âmbito do último congresso da APDEA_ Associação Portuguesa de Economia Agrária.
Francisco Avillez, economista agrícola, Rui Garrido, presidente da ACOS, José Núncio, presidente da Fenareg, Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, Jaime Ferreira, presidente da Agrobio, Gonçalo Andrade, presidente da Portugal Fresh, Fernando Cardoso, secretário-geral Fenalac e José Manso, presidente da ADVID deixam os seus testemunhos.
Francisco Avillez, economista agrícola
“A grande tendência será termos cada vez mais um conjunto de instrumentos de política que serão usados menos para apoiar o rendimento e mais para promover a competitividade, gerir riscos, estabilizar rendimentos, apoiar a sustentabilidade ambiental e tentar dar maior coesão territorial”.
“Vamos convergir a 100% ou vamos ficar aquém? Vamos manter os pagamentos ligados tal qual estão ou vamos alterá-los? Vamos compensar as pequenas explorações e acabar com o greening? Como vamos utilizar o eco-regime? O que vamos fazer com as atuais medidas agroambientais que, na minha opinião, têm de ser profundamente alteradas ou revistas para deixarem de ser mais um apoio ao rendimento e passarem a ser qualquer coisas mais eficiente? Tudo isto são desafios para os próximos anos!”
Rui Garrido, presidente da ACOS
“Ainda vivemos com uma imensa área de sequeiro, de floresta, de desertificação, muito virados para a pecuária extensiva. Vivemos num mundo rural que precisa de muitos apoios e estas explorações dependem muito das ajudas e o seu desaparecimento põe em causa a continuidade destas pessoas. Um dos objetivos da PAC é a convergência entre regiões, países e agricultores. Tem de haver políticas que não sejam puramente economicistas e a PAC tem um papel fundamental para apoiar este tipo de regiões”.
José Núncio, presidente da Fenareg
“As alterações climáticas estão a ser uma ajuda aos países do sul da Europa na questão do regadio. Eramos muito incompreendidos nas reuniões que tínhamos lá fora já e isso está a mudar. A Inglaterra já tem de regar, a Alemanha também, a França está a regar mais e o regadio é uma necessidade, é fundamental”.
“Para nós é fundamental a continuação dos apoios ao investimento no regadio, nas obras de rega. Atualmente, com menos água, conseguimos regar muito mais área e temos capacidade para armazenar mais. Os últimos números indicam que só utilizamos 10% dos nossos recursos! Já estamos habituados a anos de secas e cheias, estamos preparados para isso, mas o uso sustentável dos recursos é fundamental e o uso de tecnologia de eficiência também”.
Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite
“Temos duas realidades muito diferentes, uma realidade que tem um epicentro numa zona de regadio e que vive muito da água, que é rentável, mas que está com muita pressão nas questões ambientais. E aí temos um desafio grande em comunicar que somos guardiões da natureza e não destruidores, como atualmente as populações urbanas pensam… Não sei se tem cabimento na PAC, mas devia ser feito um investimento em comunicação sobre os serviços da agricultura. Os setores que têm um melhor desempenho são os que estão mais pressionados, essa questão devia ser pensada porque é o consumidor que manda nisto tudo. O sound bite da monocultura é evidente, mas não é verdade. Onde se gasta menos água é no olival superintensivo, em relação ao que é produzido por litro de azeite. Há uma incapacidade de passar essa mensagem”.
“Em relação ao restante país e a determinadas regiões, as políticas terão de ser outras e os produtos dessas regiões terão de ser apoiados na lógica da comercialização ou dos circuitos curtos, ou algum apoio social, territorial e ambiental”.
Jaime Ferreira, presidente Agrobio
“É-nos sempre apresentada uma dualidade, quase um antagonismo, entre os consumidores e os agricultores e isso é absurdo e altamente prejudicial. Estamos todos juntos e para isso é preciso haver informação, comunicação, dar a conhecer o que se faz na agricultura, o bem de ser agricultor. Estamos a falar de um modelo para 2030, mas devíamos falar de um modelo mais alargado, nas novas gerações na agricultura. Não apontamos soluções para ir buscar novas pessoas para a agricultura, para criar valor com alimentos, não necessariamente pessoas mais jovens, mas sim novas na agricultura”.
“Temos um roteiro para a neutralidade carbónica e este é um dos maiores desafios para a agricultura portuguesa, como é que a agricultura portuguesa vai responder a esta desafio. Como é que a PAC pode responder ao desafio de ter cada vez mais alimentos biológicos à sua mesa, mais acessíveis, mais próximos”.
Gonçalo Andrade, presidente da Portugal Fresh
“Gostaríamos que pelo menos nos garantissem que os agricultores portugueses têm as mesmas ferramentas para competir no mercado global, porque se isso não acontecer vamos ficar em desvantagem competitiva. Valemos 2790 milhões em 2018 e exportamos 55% do que produzimos e só vai ser possível continuar com este crescimento se conseguirmos ter água e aumentar o regadio. Mas também o acesso ao investimento e a disponibilidade de mão de obra.
A demografia está a crescer no mundo urbano e este casamento entre urbanos e rurais tem de ser pensado e refletido e tem de existir uma estratégia do setor para o fazer. Por muito boas condições que tenhamos para fazer o produto se não percebermos o que o consumidor quer não compensa fazer. O mundo vai comprar 4,8 triliões de frutas e legumes em 2030 o que mais do que duplica o valor atual. Temos de fazer acordos muito grandes com outras geografias porque senão a nossa política agrícola não nos vai salvar dos desafios de chegar a mercados asiáticos e países terceiros que vão ter um impacto de 56% dessas compras.
E sempre que olho para a PAC continuo sempre a ver a estratégia dos pequenos agricultores, que são fundamentais e devem ser apoiados, mas deviam ser obrigados a ter uma estratégia comum, organizada”.
Fernando Cardoso, secretário geral da Fenalac
“Se tivéssemos um mercado mais equilibrado e uma distribuição que reconhecesse o valor e o custo de produção não pensaríamos em PAC e iríamos para o mercado. Mas há um acomodamento por parte do mercado destas ajudas, ou seja, caindo na realidade advogamos uma convergência gradual, com tempo, que permita essa adaptação e esse conhecimento por parte do mercado. Isto significa uma convergência atenuada pelos pagamentos ligados que acreditamos que são muito importantes. Se estamos confortáveis? Não, mas este é mundo real.
O ecoregime pode ser uma grande oportunidade, mas também uma ameaça se for a repetição do greening, que não foi bom para ninguém, foi apenas uma carga burocrática, não teve efeito no setor nem na imagem do setor. Mas pode ser uma oportunidade se conseguirmos evidenciar os benefícios ambientais que existem… O ecoregime pode ser aqui uma forma de melhorarmos o rendimento dos produtores e os índices ambientais”.
José Manso, presidente da ADVID
“A tendência será usar a PAC para compensar questões sociais e isto de alguma forma desvirtua o setor. Mas vamos ter de assumir cada vez mais custos ambientais e estes devem ser incorporados na nossa cadeia de custos, como vamos distribuir isto é que não é linear. Não é automático, nem fácil, o aumento de valor, porque as nossas explorações têm a dimensão que têm e a PAC vai continuar a apoiar-nos, mas não para fazer uma grande diferença.
O que nos preocupa na atual da PAC são os custos ambientais, cada país tem o seu ritmo e por vezes assumimos ritmos irrealistas que o nosso vizinho não assume. E assumimos sem soluções. Temos uma PAC que nos condiciona, temos fóruns mundiais onde muitas das questões são discutidas, mas a comunidade não consegue acompanhar. A PAC está a ser bem negociada dentro do possível, mas o contexto geral não é favorável para a nossa atividade económica”.